Ah, sim, um beijo na testa. Woody Allen não é só um cara que faz filmes, ele é uma lenda viva. Primeiro pela sua capacidade de produção que é incomparável. Mas, principalmente, por ser o único profissional do ramo que tenho conhecimento que possui financiamento ininterrupto para os seus devaneios. Sim, claro, ele anda tendo algumas dificuldades dentro das américas e anda ciscando lá pela Europa. Houve até um burburinho afirmando que ele poderia vir filmar no brasil (palpitações) mas ele mesmo já afirmou que tem receio pelo calor. Sábio, este senhor, que consegue perceber e assumir suas limitações. E ele pode, ah, ele pode.
Ele fez Annie Hall (“noivo neurótico, noiva nervosa”, em português) e só por este filme ele já não precisaria mais fazer nada. Diane, linda, a mulher com mais personalidade que vi no cinema e que me fez crescer achando que a forma certa de se vestir era a que a gente achava bacana. Anos depois li um livro chamado “Entrevistas com Woody Allen” escrito por Eric Lax, um jornalista que acompanhou Woody por longos anos, onde ele contava que a figurinista de Annie Hall ficava desesperada porque Diane não queria vestir as roupas que ela selecionava para ela. Ia até Woody, buscando intervenção e dizia: “Ela é a protagonista! Não pode aparecer vestida desse jeito!” Ele contou para Lax que quanto mais a figurinista dizia que ela estava terrível mas sucesso a personagem de Diane fazia. Lição nº 1.
Além disso, temos Woody atuando e afirmando que não poderia dirigir porque tinha muita hostilidade e todo o seu nervosismo com figuras de autoridade. E a cena da lagosta, ah, a cena da lagosta. Para mim, o resumo do que um relacionamento amoroso deve ser. Lição nº 2.
Claro, impossível não citar a cena da fila do cinema onde o personagem de Woody simplesmente retira Marshall McLuhan de trás de um pôster para calar a boca de um pentelho metido a intelectual. “ah se a vida fosse sempre assim...”.
Eu poderia escrever horas a fio sobre cada cena. Posso falar de “Hannah e suas irmãs” e posso falar da “veia Bergman” de “Interiores” e da metalinguagem de “A Rosa Púrpura do Cairo”. Claro, posso citar a linda dança de “Todos dizem eu te amo” e a presença de NY marcada em vários filmes destacada em “Manhattan” tal como posso citar as musas Diane Keaton e Mia Farrow . Posso chegar mais pertinho e falar de Scarlet em “Scoop”, “Match point” e “Vicky, Cristina, Barcelona” e, claro, Penélope Cruz, maravilhosa neste último. Cito o nostálgico “Meia noite em Paris” e o genial “Whatever Works”. Meu dia ia ser longo (e delicioso!).
Mas vou só falar que este reservado senhor alegrou a minha vida tantas e tantas vezes que não teria como não venerá-lo. Ele me ensinou a não ter medo de produzir e, principalmente de errar, porque ele também fez muita merda (mais recente “Você vai conhecer o homem dos seus sonhos” mas passando por pérolas como “Celebridades” e “Tudo o que você queria saber sobre sexo e nunca teve coragem de perguntar”). E ele me mostrou a beleza. E que é possível ser engraçado sem ser piegas. Criatividade. Inovação. Humor. Amor. Cumplicidade. Raciocínio.
Por isso, afirmo e reafirmo, sr. Allen. Se desistir do calor e aparecer por aqui, hei de dar um beijo na sua testa e agradecer. Por mais estranho que isso possa soar.